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Foto do escritorMarta Roml

MARIPOSA

Atualizado: 1 de abr. de 2023

Lutava contra o tempo, contra o seu próprio tempo. Uma força que o impulsionava para a superfície e lhe dava a sensação de ser peixe. Sentia-se melhor ali, dentro de água, a lutar contra o colegas, pois sabia que ali era capaz de vencer e de ser como os outros. Naquela piscina não importava se não tinha perna, se lhe faltava uma mão. Não, ali era normal, não tinha defeitos. Sentia-se livre e invencível.


Estava a treinar para os Jogos Paralímpicos. Era o melhor atleta do país em mariposa. Desde pequeno que tudo para ele era uma competição. Apesar da sua condição, das suas limitações, nada o impedia de fazer tudo como os outros. Estava a tirar uma licenciatura em gestão e já tinha a carta de condução. Conduzia muito bem, era ágil, fazia as manobras com muita destreza.


Utilizava uma prótese na perna, mas não se habituara à da mão. Já se acostumara às reações das pessoas quando se demoravam a olhar para a sua mão. Na faculdade, os colegas estimavam-no muito, e também o admiravam pela sua inteligência e coragem.


Rui era, afinal, um rapaz normal. Gostava de música e gostava de sair à noite. Andava pelos bares do Bairro Alto a curtir com as miúdas que lhe davam conversa. Acabava sempre por se utilizar da sua deficiência para o fazer. Os amigos aproveitavam-se dessa habilidade para se usarem das raparigas que Rui ia conquistando. Rui ia à frente, tinha boa conversa e um ar suficientemente frágil que desarmava qualquer uma. Logo, os amigos entravam em cena e aproveitavam-se da situação. Curtiam com ela e ficavam todos a beber e a divertir-se com a rapariga.


Hoje, como em todas as sextas-feiras, Rui foi para o Bairro Alto com os amigos. Alex, o seu melhor amigo, fazia anos. Depois de jantarem, foram a um pequeno bar. Havia um DJ porreiro a passar música e apesar do bar ser pequeno, as pessoas estavam a dançar e o bar estava apinhado de gente. Rui vê-a a dançar tão livre e segura de si, um corpo e uma cara perfeitos. Dançava como quem nadava. Nem sabia se devia meter conversa com ela, tinha receio de estragar o momento.


Mas, lá se enche de coragem e começa o galanteio. Percebe que ela é apenas uma miúda de dezoito anos, mas isso não o impede de a conquistar. Começa com os elogios, atira-se a um beijo roubado entre vodkas de laranja. Joana ri-se muito, tudo aquilo é novidade para ela. Mas, sabem-lhe bem os elogios da conquista. Rui apresenta Alex e os amigos a Joana.


Depois de terem dançado um bom bocado e de estarem já alcoolizados, Alex sugere que fossem para as piscinas do clube do pai. Lá poderiam estar mais à vontade.


Joana tinha saído com uma amiga, mas esta estava bêbada e a conversar com um tipo asqueroso. Decide, então, ir com os cinco novos amigos.


A noite estava quente e eles bastante suados. Chegaram ao clube no carro de Rui que ainda não tinha bebido. Lá beberam, beberam muito. Joana começa a dançar com Alex. A dada altura desmaia e cai à agua. Rui, já um pouco embriagado, tira-a da água e faz-lhe respiração boca a boca. Ela acorda e começam a beijar-se. Joana começa a chorar e diz que quer ir para casa. “Mas, ainda nem cortamos o bolo…”, responde Alex. Aproxima-se de Joana e beija-a à força. Rui fica atónito com aquela situação, nem sabe como reagir. Alex começa a cantar os parabéns juntamente com os outros três amigos. À volta de Joana, os quatro cantam e batem palmas.


Joana pede que a levem para casa. Alex pega-lhe nas mãos, encosta-a a uma parede e beija-a novamente à força. Ela tenta resistir, mas logo os amigos a seguram. Alex apalpa-a por todo o corpo enquanto ela chora. Um dos amigos baixa-lhe as cuecas e rasga-lhe o vestido. Joana está agora seminua, contendo as lágrimas, sem acreditar naquilo que lhe está a acontecer.


“Parem com esta merda!”, grita Rui, começando a bater neles com toda a fúria. Estava em minoria, mas não queria saber. Não tinha mão, nem perna, e provavelmente perderia a luta, mas não queria saber. Faltava uma semana para os Jogos Paralímpicos, mas não queria saber. Surpreendidos com a reação de Rui, param e vão-se embora. Rui sabia que tinha perdido os amigos para sempre e que nada seria igual depois daquela noite.

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